quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Em uma noite de natal

Mais uma vez era natal. Não gostava do natal. Lembrava-se da infância pobre, sem presentes. Duvidava do papai Noel. Detestava a musiquinha miseravelmente mentirosa, que dizia:

“Porque é que o Papai Noel,
não se esquece de ninguém?
Seja rico ou seja pobre
o velhinho sempre vem!”

Gostaria de xingar o mentiroso que inventou aquilo. Desenvolveu uma nova versão, mudando alguns dizeres. Em sua versão ficava assim:

“Porquê é que o Papai Noel
sempre esquece de alguém?
Vem pro rico, mas pro pobre
o velhinho nunca vem!”

Sentia-se melhor com a rebeldia.
Sempre se sentia triste no Natal. Nesse natal sentia-se mais triste ainda. Ele era Funcionário público e o pagamento do mês de novembro não tinha saído e nem o 13º salário. Ele e os demais funcionários teriam um natal bem magro. Não teria dinheiro para o presentinho do filho. Fez paródia de uma música natalina e mostrou aos colegas, que gostaram muito. A letra dizia:

Então é Natal!
e o pagamento quem dera,
nada de décimo terceiro,
a esperança já era.

Então é Natal!
e tua ceia, e os presentes?
O sorriso? A alegria?
Está tudo ausente.

Então é Natal!
E o prefeito onde está?
Comendo peru,
champagne e caviar.

Se na próxima eleição
te pedirem em bom português,
esqueça o passado
e vote outra vez!”

Ajoelhado em sua cama olhava pela janela seu quintal ainda respingando gotas da recente chuva. Não reparava direito nas coisas que via. Sua lembrança estava no passado. A pobreza. A falta da ceia. A gente ia à missa do galo que naquela época era celebrada a meia-noite. Chegando a casa a gente tomava café com pedaço de bolo velho e ia dormir. Presentes ninguém ganhava. As crianças botavam sapato atrás da porta, e de manhã, iam cheio de esperanças olhar o sapatinho, solitário, vazio como na véspera, nenhum presente encontravam. O papai Noel mais uma vez errara o endereço.
Brincava, no terreiro da sala com seu velho brinquedo que ele mesmo fizera, após tomar café com pedaço de bolo de fubá esfarinhando de seco. Viu o filho da vizinha passar, todo feliz, com um brinquedo novo. Onde ele arrumara brinquedo? Era tão pobre como ele mesmo. O colega informou que no hospital as freiras estavam dando brinquedos.
Pediu a mãe e foi correndo ao hospital. Estava feliz, ia correndo e saltitando: finalmente iria ter um brinquedo não feito por ele.
Chegou ao hospital. O coração batia sem regra de forte antevendo a alegria do presente. Crianças, muitas, saíam com os braços cheios de brinquedos. Que freiras bondosas aquelas! Ele também iria ganhar vários presentes! Claro! Todos não estavam ganhando? Achegou-se. Pediu. Os olhos só esperanças. A freira, todavia, lhe disse que ele não poderia ganhar porque não fizera inscrição antes.
— “Mas nem uma bolinha igual aquela miudinha ali?” Perguntou com o pouquinho de esperança que lhe restara. Não. Nem aquela, explicaram.
Tudo isto ele lembrava naquela noite de natal igualzinha a tantas outras.
Gostava muito do sentido religioso do natal. O nascimento do menino que viera com a missão de resgatar toda a humanidade da condenação eterna. Nascera mais pobre do que ele.
Odiava era o sentido profano do natal. A comilança e os beberes. Celebravam o Deus cristão ou rendiam culto ao deus pagão Baco? O Menino recém-nascido não era convidado para a festa!
Fora a missa como sempre. A folia de reis, após a missa, cantara no presépio da igreja. Eram três personagens trajados de roupas coloridas, enfeitada de fitas. Na cabeça usavam imitação de coroas porque eles simbolizavam os três reis magos que saíram de suas terras e foram a procura do Menino-Deus recém-nascido. Seguiam uma estrela. Os imitadores, usavam também máscaras, para anular sua identidade: eles deixavam de ser eles para assumir a identidade de quem representavam. Entre o séquito dos reis tinha o Mestre que era quem tirava o canto tocando uma viola. Tinha também violão, tambor, cavaquinho, sanfona, rabeca e os que respondiam o canto do mestre. O mestre cantava:
—“Diz na Sagrada escritura
que quando Jesus nasceu,
que quando Jesus nasceu!”
O coro respondia, a mesma letra, em diversas tonalidades de voz.
Continuava:
—“No céu fulgurante e pura
uma estrela apareceu,
uma estrela apareceu!”
Novamente o coro respondia.
Antes da folia de reis estivera na igreja, homenageando o Menino, as pastorinhas: meninas, adolescentes, moças e senhoras> Entravam cantando:
— “Os senhores dão licença
pra nesta casa entrar,
nós viemos de tão longe
ao Menino adorar.
Trá-lá-lá-lá  trá-lá-lá-lá
Nós viemos de tão longe
ao Menino adorar!”
Disto gostava. Quando terminaram as apresentações, foi-se embora. Chegara a casa. A casa era dolorosamente solitária desde que a mãe morrera. Os irmãos moravam em outra cidade. O filho de dois anos morava com a mãe dele.
Chegara. Aquecera a janta. Jantara. Sozinho, para não variar.

Agora estava ali, à janela, ajoelhado sobre sua cama. Estava mais triste do que antes. Pensava:
— “Agora as famílias estão reunidas, comendo, bebendo, rindo. E aqui estou sozinho, nem uma árvore de natal eu fiz.”
Saiu de sua tristeza e olhou ao redor, reparando, principalmente, nas gotas de chuva pendurado nas folhas. Olhou para o lado da rua e, oh maravilha! Lá estava a mais bela árvore de natal que já vira: seu pé-de-limão que ficava perto do muro da rua, galhoso, estava cheio de gotículas d’água penduradas. A luz do poste defronte enchia as gotas de luz. Sobre as folhas, gotas maiores com prismas de luz que mudava conforme  a brisa ligeira movia as folhas. Indubitavelmente, aquela era a mais bela árvore de natal!
Defenestrada a tristeza pela bondade do Menino-Deus, deitou-se saciado de beleza e da graça de Deus.
Até cair no sono um suave sorriso brincou em seu rosto enquanto vagava por paisagens lindas evocativas do natal.
 
Nenzito (Zé Maria)
28/12/11

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O GRANDE DRAMA

As pessoas se ajuntam em várias espécies de cidades: as grandes, médias ou pequenas. Em cada uma delas, as pessoas tem modos assemelhados de se divertirem, de passarem o tempo. Seus gostos, preferências, e lazeres.
Nas cidades de pequeno porte, as pessoas jogam truque, jogam malha, as peladinhas, batem papo nas praças, nos butecos... Uns gostam de pescar, outros de caçar, ou os dois. Em uma cidade pequena, tinha um grupo que gostava muito de caçar, e o faziam constantemente.
Nem todos os donos de fazenda gostam que entrem em suas terras para caçar ou pescar. Naquela fazenda, daquela pequena cidade, o Sr. Raimundo Cócega já tinha discutido várias vezes com os caçadores proibindo que caçassem em suas terras.
Os caçadores, enfezados já com tanta discussão com o fazendeiro, fizerem a cabeça do João Tiago para acabar com aquela amolação, eliminando-o. O João, tão enjoado como os companheiros com o desafeto, ficou grávido daquele projeto homicida, foi amadurecendo a idéia até que sofreu as dores do parto: pegando sua espingarda foi até as terras do Raimundo e com a paciência dos caçadores aguardou a caça especial.
Como fazia todos os dias, lá veio o fazendeiro, olhando cercas, conferindo o gado sem nada desconfiar. Na espreita o caçador puxou o gatilho pondo fim à chatice da proibição. Empapando o chão com seu sangue, expirou o Raimundo. Seus olhos abertos já não enxergavam o verde treme-treme dos bate-caixas, o amarelo das flores de bacpari, o azul do céu com salpicos de nuvens que valorizavam o azul. Aqui a história poderia terminar.
Poderia.
O João volta para casa. Leva na mente o peso de uma morte. É tão fácil matar um animal! Os caçadores se postam em lugares estratégicos, soltam os cães e aguardam. Em pouco se ouve o acuo deles no mato — levantaram um veado. O pobre animal, vendo aquele perigo iminente, foge em disparada exatamente para o meio do perigo maior: os homens emboscados. E começam os tiros. Se o primeiro caçador erra, à frente tem mais caçadores e um deles certamente vai acertá-lo. Sorrisos, festa, comemoração em torno do morto.
Agora, porém, é diferente: foi abatido um da mesma raça. Sentindo-se com o peso de uma tonelada, o caçador é caçado por sua consciência. Em casa mistura formicida com guaraná e a formicida vira homicida.
Na casa do Raimundo, desespero da mulher e dos nove filhos o maior com 13 anos. Na casa do João, desespero só da mulher sem filhos.
Aqui já estaria bom para a história ser encerrada.
Estaria, porém...
A mulher do Raimundo inconformada com a dor da perda, resolve seguir o marido, e dias depois é encontrada morta.
Estabeleceu-se o inferno entre as pobres crianças: ainda não refeitas da perda do pai, perdem a mãe. Muitos não aceitaram esta dorida realidade. O mais velho foi para o hospício onde veio a falecer. Dos outros, poucos foram os que ficaram sem alguma perturbação. Um deles encontra-se internado ainda nos dias atuais. Aqui a história finalmente acaba.


Nenzito (Zé Maria)
Baseado em fatos reais, nomes fictícios

sábado, 10 de dezembro de 2011

O que é ser um contador de histórias?

"É mergulhar no mundo mágico da literatura e transmiti-la através da narração. Arrancar os personagens que estão costurados no papel e lhes dar vida. Mergulhar no conto, na história à procura dos sentimentos e expô-los à luz. Maravilhar-se quando se enamora de uma estória e começar o romance que só pode acabar em casamento. Não há incompatibilidade de gênios desde que houve simpatia no primeiro olhar."

Nenzito, entrevista ao blog http://refletere.blogspot.com/